Antonio Pessoa Cardoso
O Poder Judiciário é formado por magistrados e servidores; tanto uns quanto outros ascendem ao sistema
por intermédio de concurso público e desenvolvem a atividade nos
Estados, Justiça Estadual, ou na União, Justiça Federal. Entre uma e
outra Justiça há tratamento e instrumentos de trabalho diferenciados, a
exemplo de remuneração e benefícios, de infraestrutura, em termos de
espaço físico, de material de consumo e do quadro de servidores, apesar
de uns e outros terem trabalho semelhante.
Para ingresso na carreira é exigido o concurso público; aprovado e
homologado o certame, dar-se a nomeação, posse e inicio da atividade;
designado e lotado para este ou aquele Cartório, o servidor encontra a
primeira grande decepção, porque não é preparado para o desempenho da
função, vez que não há curso de formação muito menos treinamento para a
importante atividade no Judiciário. Pelo contrário, o novo funcionário,
encontrará ambiente físico de trabalho
e número de servidores incompatíveis com as necessidades, equipamentos
mal operados e mal conservados, provocando, naturalmente, a ineficiência
na prestação do serviço. A aprendizagem resume-se à boa vontade do
colega que, às vezes, também não foi preparado para militar naquela
função.
Por outro lado, é constante a defasagem de servidores, mas nunca se
constatou tamanha desproporção, como na atualidade, entre sua quantidade
e o acúmulo de trabalho; grande número de comarcas que deveriam ter 25
servidores dispõe de um, de cinco ou de um máximo de 10 funcionários. É
como se uma empresa necessitasse de 25 trabalhadores e o patrão
disponibilizasse de apenas um ou 10.
Evidente que o resultado, nessas condições, seria a falência, mas no
serviço público as partas não se fecham, porque o servidor é solidário
com as necessidades do jurisdicionado.
Enquanto isso ocorre, não se vê movimentação alguma dos órgãos
superiores para implementar a infraestrutura indispensável,
fundamentadamente a realização de concurso para servidor e para juiz. O
CNJ, apesar dos relevantes serviços que presta ao Judiciário, no intuito
de solucionar os graves problemas, exige relatórios, traça e cobra
metas, promove mutirões, mas não se importa em cobrar dos gestores ou
oferecer os instrumentos necessários para desempenho da atividade. Com
essas cobranças infunde mais medo do que produtividade. Melhor seria se
ajudasse na solução das dificuldades pelas quais passa a justiça baiana,
que ressente de servidores, de juízes e de fóruns adequados.
Os analistas, os técnicos e os auxiliares judiciários do Estado continuam sem movimentação na carreira. Começam e aposentam-se no mesmo cargo e função para a qual foram nomeados.
Os superiores não avaliam a repercussão dessa medida sobre a vida dos
servidores e dos jurisdicionados; aqueles porque terão de envidar
esforços, sacrificando saúde, família e lazer para diminuir a demora na
oferta da prestação jurisdicional; os jurisdicionados, porque não terão
resultados no atendimento de suas demandas.
O despreparo técnico do profissional e o acúmulo de atividades contribuem para a má prestação de serviço.
A realidade mostra um teorema difícil de ser encarado. Não há
progressão funcional na carreira, muito menos avaliação de desempenho da
atividade. A eficiência do analista, do técnico e do auxiliar
judiciário não se presta para promoção, nem aumento salarial, pois a
meritocracia é medida por outros parâmetros que não os contemplados na
lei; permanecerá no mesmo cargo ou função, ao longo de todo o seu tempo
de serviço, com eficiência ou não, e sem espaço para desenvolver rotinas
mais adequadas ao trabalho. Verá de longe os benefícios auferidos por
seus colegas da área federal e de muitos estados que tem todas as
vantagens não contempladas nas leis de organização judiciária, apesar de
desenvolverem tanto uns quanto outros o mesmo tipo de atividade. Será
forçado a conviver com bons e maus colegas, vivenciará recompensas para
uns e perseguição para outros, tudo na dependência da avaliação
subjetiva do superior. E não poderá divergir dessa orientação, porque
poderá sofrer penas disciplinares.
Assim ficará até a aposentadoria!
Na verdade a lei estabelece o prazo de 180 dias para regulamentação
da progressão funcional, art. 25 da lei 11.170/08, mas passados mais de
quatro anos, não se tratou do assunto, mesmo depois que o CNJ decidiu,
em Pedido de Providências de autoria do SINPOJUD, julgar procedente e
determinar ao Tribunal de Justiça da Bahia a regulamentação da lei.
O juiz pouco se envolve com os cartórios e os titulares destes, em
pequeno número, que não são preparados para gerenciar o processo; não se
verifica a aptidão do servidor que chega, porque o que sai também não
teve preparo algum. Uns e outros receberam os Cartórios apinhados de
processos sem solução e com a atribuição de resolver o atraso que não
tiveram culpa.
Há verdadeira guerra aberta contra os procuradores e as próprias
partes que reclamam justificadamente respostas para seus questionamentos
longevos.
Nesse diapasão, encontram-se áreas muito mais bem servidas que
outras. É o que ocorre, por exemplo, com os gabinetes dos
desembargadores, com dez servidores, enquanto os juízes têm apenas um;
estes preparam o processo com a realização de audiências, perícias e
diligências; aqueles apenas corrigem eventuais falhas, mesmo assim
quando há recurso. Criam-se comissões que nunca se reúnem e para essas
são disponibilizados bons servidores para nada fazer. Retiram servidores
de uma área para outra, como é o caso dos Juizados Especiais de onde
saíram funcionários em massa, porque deslocados para prestar serviço em
outras áreas.
E o serviço vai acumulando, porque não se faz concurso, pois o gestor
sempre reza a ladainha de que não dispõe de meios e nunca há o
preenchimento de vagas abertas há décadas.
Se não há concurso com regularidade para ocupação dos cargos vagos
exigem trabalho dobrado do indefeso servidor, sem remuneração, sob o
argumento de que não tem recursos para pagamento.
Essa é situação que não pode nem deve continuar!
Explica tudo isso através da expressão “déficit de funcionalidade”
que nada mais é do que a ineficiente e capenga gestão administrativa.
Enquanto tudo isso acontece no dia a dia, o legislador confere ao
servidor público de uma maneira geral estabilidade no serviço, licença
prêmio, férias e recesso que chegam a 45 dias, aposentadoria precoce e
farta, além de outras vantagens.
A aposentadoria consigna remuneração correspondente ao salário que
receberia se estivesse trabalhando; a compulsória é a aposentadoria que
ocorre quando o servidor público completa 70 anos, idade que é obrigado a
deixar o trabalho; a licença prêmio consiste em 90 dias de ausência ao
trabalho, vantagem consignada para cada cinco anos de exercício.
Os instrumentos para o trabalho são negados, mas, em nítida posição
de cobrança, exigem-se mais horas de trabalho sem vencimentos,
dificuldades para gozo das férias, substituição de funções, em caráter
permanente, mesmo se alegada falta de condições para tal.
Há efetivamente deficiência de material humano nas secretarias, nas
Varas e nas Comarcas, nos serviços judiciais e extrajudiciais, mas esta
não é a única explicação para a morosidade e consequente má prestação
dos serviços judiciais.
A má gestão explica as deficiências no serviço público.
Diante dessa triste realidade, e depois de reivindicações de seus
munícipes, os prefeitos sentem-se forçados a disponibilizar servidores
de seus quadros para as Varas e Comarcas. Evidente que os novos
servidores não têm compromisso legal algum com o Judiciário, mas
prestam-se para diminuir as reclamações dos jurisdicionados. Na Bahia,
rara é a Comarca que não usa desse artifício, seguindo orientação dos
superiores.
Na verdade, os servidores cedidos pelos municípios para o Judiciário
tem sido alicerce maior para evitar o caos total e o fechamento dos
fóruns, simplesmente por falta de servidor.
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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior
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