Raras vezes, na história do Poder Judiciário, um
presidente de um tribunal superior deixou o cargo ressaltando mais os
fracassos do que as realizações de sua gestão. Ao fazer um balanço dos
dois anos em que esteve à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), o
ministro Cezar Peluso surpreendeu ao reconhecer que não teve força
política para aumentar o orçamento da Justiça nem para ver aprovadas as
propostas que, a seu ver, descongestionariam os tribunais e acelerariam o
processo de execução das decisões judiciais.
O depoimento de Peluso - que hoje transfere o cargo para o ministro
Carlos Ayres de Britto - foi feito ao site Consultor Jurídico e deixou
os meios forenses e políticos perplexos, entre outros motivos, por causa
das explicações que deu para as promessas que não cumpriu e as medidas
que não conseguiu implementar.
Ao justificar o engavetamento da Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) que prevê o cumprimento de decisões judiciais antes do trânsito em
julgado, por exemplo, o presidente do STF atribuiu a responsabilidade
ao senador Francisco Dornelles (PP-RJ). "A PEC só não foi votada porque o
Dornelles complicou. Quem o senador representa? Ele é do PP ou do BB -
das bancas e bancos. Estes são os grandes interessados na discussão. O
Dornelles é senador pelo Rio de Janeiro, mas representa, de fato, os
interesses dos bancos e representantes de grandes bancas de advogados de
Brasília", disse Peluso, com surpreendente agressividade. A PEC, de
fato, foi criticada por juristas e ministros do STF, por ferir garantias
fundamentais.
Ao explicar por que não conseguiu reajustar os salários da
magistratura, Peluso acusou a presidente Dilma Rousseff de descumprir a
Constituição, retirando do Orçamento da União a proposta, por ele
encaminhada, de aumento das verbas da Justiça. "Mandei ofício à
presidente citando precedentes, dizendo que o Executivo não poderia
mexer na proposta orçamentária do Judiciário, que é um Poder
independente. Quem poderia divergir era o Congresso. Ela simplesmente
ignorou", afirmou Peluso, sem considerar que os Poderes são autônomos,
mas o cofre é um só e a responsabilidade sobre o que entra e sobre o que
sai é do Poder Executivo. O ministro também acusou Dilma de não cumprir
o inciso X do artigo 37 da Constituição, que prevê "revisão anual geral
da remuneração dos servidores públicos. Interpretou, assim, o conceito
de "revisão" - que significa "análise" ou "exame", segundo os
dicionários - como obrigatoriedade de aumento.
Além de fustigar colegas do STF - como o relator do processo do
mensalão, ministro Joaquim Barbosa, de quem disse que julga mais com
base em motivações políticas do que jurídicas -, Peluso investiu contra a
Corregedora Nacional de Justiça, Eliana Calmon. "Ela fez várias
denúncias, mas até agora não apresentou resultado concreto algum. Ela
está se perdendo no contato com a mídia e deixando de lado o foco, a
procura de resultados concretos. No mês de setembro, ela sai e retorna
para o tribunal dela, que é o STJ. São apenas três meses. Que legado
deixou?", perguntou Peluso, esquecendo-se de que a corregedora submeteu
as Justiças estaduais a auditorias, investigou 1.016 integrantes do
Judiciário sob suspeita de terem feito movimentações financeiras
atípicas e afastou juízes e desembargadores por desvio de conduta.
Na entrevista ao site Consultor Jurídico, Peluso ainda deixou
transparecer seu arraigado corporativismo. Ele afirmou que, na
corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, "resolvia os problemas
sem alarde ou sem escarcéu". E em sua gestão à frente do CNJ, como é
sabido, propôs que o julgamento de processos administrativos contra
juízes acusados de desvio de conduta não fosse público, mas fechado. E,
para preservar a imagem desses magistrados, também determinou que seus
nomes não fossem divulgados, mas somente as iniciais.
Sem se envolver nessa polêmica, mas reafirmando o que sempre defendeu
em seus votos e entrevistas, o sucessor de Peluso já deixou claro que
apoia o CNJ e defende o máximo de transparência nos julgamentos do órgão
e do STF. Ainda bem!
Por Erick M
A despedida de Peluso
Fonte: advivo
Nenhum comentário:
Postar um comentário