Antonio Pessoa Cardoso
O serviço público em todos os
setores do Executivo, Legislativo e Judiciário, presta se para oferecer ao
cidadão bons serviços, constituindo o interesse coletivo em prioridade absoluta.
Importa-nos analisar o
gerenciamento do processo, no sistema judicial, no qual a queixa do
jurisdicionado é bastante acentuada, principalmente pela extrema morosidade da prestação jurisdicional. Não há
polêmica sobre essa afirmativa, todavia vale esclarecer suas principais causas,
originadas de variadas motivações no âmbito interno e também no externo, alheio
ao comando do Judiciário.
O controle e acompanhamento do
processo não se guiam pela gestão do magistrado, mas entregues à chefia do
próprio Cartório; o procedimento deveria ser idêntico ao que se pratica na
empresa privada, porque a movimentação do processo guarda semelhança com a
compra e venda de um produto no mundo empresarial. A diferença reside somente
no tipo de bem adquirido, pois enquanto no Judiciário busca-se somente a
prestação de algum serviço, tal como uma sentença, uma certidão, na área empresarial
quer-se um patrimônio, na mais elástica interpretação que se possa oferecer a
esse termo.
Os entraves para a efetiva
entrega do direito requerido no Judiciário são significativos e o maior deles
está localizado na infernal burocracia dos Cartórios judiciais, responsáveis
por 80% dos atrasos na tramitação dos processos, segundo pesquisa da Fundação
Getúlio Vargas. Esse estudo feito no ano de 2006, na Justiça paulista, mostrou
também que os autos permanecem em Cartório pelo período de até 95% do tempo
total de processamento, excluído quando está no gabinete do juiz ou com vistas
para os advogados e Ministério Público. Constatou-se ainda que as causas dessa
paralisação situam-se na falta de equipamentos, de informatização e treinamento
dos servidores além da inexistência de gerenciamento dos cartórios.
Com todos esses fatores,
chegou-se à conclusão de que “o Tribunal só anda por causa do servidor”, mesmo
tendo sobrecarga de trabalho, ausência de estrutura e nenhum incentivo para
desenvolvimento da atividade.
Pelo Brasil afora, a situação é
semelhante ao que se registrou em São Paulo, mas agrava-se, porque a falta
efetiva de funcionários nos Cartórios, principalmente nos Estados do Nordeste, impede o cumprimento de qualquer
meta. Apesar de tudo isso, pouca atenção tem-se dado a essa peça fundamental do
Judiciário, os Cartórios judiciais, porque, praticamente, não há sobre eles
gerenciamento algum.
A falta de gestão causa a má distribuição dos
processos, atraso para sua autuação, para diligências como a citação,
intimação, instrução, publicação dos despachos, sentenças e remessa para o
Tribunal, no caso de recurso. A situação é tão grave que a simples juntada de
uma peça aos autos ou o despacho do juiz na petição inicial pode demorar meses
ou anos; a explicação é fácil de ser dada, pois o número de requerimentos
aumenta a cada dia em proporção inversa à quantidade de servidores e à própria
estrutura dos Cartórios.
Os atos cartoriais são bastante amplos: editar e
expedir mandados, cartas, editais; certificar os atos praticados, juntar
petições, verificar o vencimento dos prazos processuais, abrir vistas às partes
e ao Ministério Público, cobrar os autos indevidamente retidos, atender às partes, aos advogados, ao Ministério Público,
cumprir despachos, decisões e sentenças, preparar todos os atos para realização
das audiências, além de arquivar e desarquivar os processos, praticando ainda todos
os atos ordinatórios e muito mais.
Vê-se então que a boa prestação jurisdicional
depende muito do bom funcionamento dos Cartórios, mas sabe-se que, na parte que
lhe compete, a exemplo da disponibilização de recursos, o Executivo não
demonstra preocupação alguma com esse segmento do Judiciário, mesmo porque a agilidade da justiça “quebraria o
Estado”, porque é um dos maiores clientes dos tribunais.
A modernização do Judiciário inicia-se pela
prioridade na gestão de pessoas, responsável pela boa prestação de serviços;
essa ação importa fundamentalmente na integração do magistrado com o Cartório.
A operação não se mostra fácil, porque envolve presença diuturna do magistrado,
administração de contrariedades, de interesses variados, de exigências de
procedimentos, de aferição de competências, de equilíbrio na resolução dos
conflitos internos.
O serviço cartorário mostra-se de extrema
complexidade, porquanto há uma grande variedade de profissionais, de
conhecimentos, de idades, de remuneração, e de perfis. São servidores
concursados, estagiários, cedidos pelos municípios, emprestados e voluntários.
A ação do gestor passa pela busca de comprometimento de todos que integram o
grupo de trabalho e isso só será obtido se o entrosamento incluir discussões,
críticas e sugestões para o desenvolvimento da ação, fixando metas e
possibilitando a luta de todos, porque artífices do caminho traçado.
Equivocado o entendimento de que a obrigação do
julgador resume-se em despachar, realizar audiências e julgar. Na verdade, não
é assim, pois o magistrado tem o dever de gerenciar os Cartórios, reunindo com
os servidores para ouvir, discutir, orientar, fiscalizar e traçar metas. Esses
encontros prestam-se também para apuração, correção e implementação de novas
ações e isso motiva os servidores para maior comprometimento com o trabalho,
porque convocados e satisfeitos com a participação na elaboração das metas
traçadas.
Afinal, a Loman, art. 35, VII, impõe ao juiz o
dever de “assídua fiscalização sobre os subordinados...”.
Mas há de se conscientizar de que o magistrado não
exerce a liderança através de ameaças, incutindo o medo ao invés da fiscalização
e orientação; da opressão e punição, sem compreensão e dialogo constante; muito
pelo contrário, o gerenciamento dos Cartórios presume aproximação, cortesia e
entrosamento com aqueles que são os maiores responsáveis pelo trabalho do
julgador e pela boa ou má movimentação da máquina judiciária.
O acesso à justiça, a morosidade do processo e seus
custos tem constituído nas maiores perturbações para a efetiva prestação
jurisdicional. Mudam-se os códigos, alteram-se os procedimentos, mas não se
chega ao controle e gerenciamento dos processos judiciais, que andam sem
comando capaz de abreviar o caminho até chegar à efetivação do direito
reclamado.
Boa parte dos juízes reclama para si a prática de
atos ordinatórios e não delega uma função que é autorizada pela lei, CPC, art..
162, § 4º; além dessa centralização, muitos não aplicam dispositivos legais que
se prestam para agilizar os serviços judiciais, a exemplo do que dispõe o art.
285-A do CPC que autoriza o julgamento imediato, sem ouvir a parte ré, quando
causa semelhante já fora rechaçada pelo mesmo juiz em casos semelhantes.
O descrédito na justiça ocorre exatamente porque ao
grande número de demandas não segue a modernização nos métodos de trabalho. A estrutura
continua a mesma, a despeito do volume de serviço, especialmente depois da
Constituição de 1988, com a enorme quantidade de direitos individuais e
coletivos que passaram a desembocar no Judiciário.
Depois da Carta Cidadã, o jurisdicionado tornou-se
mais consciente para exigir transparência nos serviços públicos, tratamento
cortês e todos os direitos consagrados pela democracia.
As estatísticas mostram que em 2003, cada
magistrado tinha sob sua gestão em torno de 3.400 processos; em 2008, esse
número pulou para 5.300, mas é comum o Cartório contar com mais de 10.000
processos sob o comando de um só juiz.
Toda atividade exige conhecimento antecipado da
ação que se busca desenvolver. Assim, indispensável que o julgador saiba o que
vai encontrar pela frente a fim de traçar metas e estratégias na movimentação
dos processos. Daí porque é de sua obrigação gerenciar os Cartórios para traçar
critérios, mesmo porque, apesar do insignificante número de servidores, são
raros os cursos e reciclagem para o bom preparo intelectual; a cobrança,
entretanto, ocorre como se todos estivessem bem assistidos pelos tribunais.
O juiz, que já não tem maiores conhecimentos sobre
gestão, não exerce vigilância sobre os Cartórios e secretarias, não toma
conhecimento de suas necessidades, quando teria utilidade motivacional se
visitasse e compartilhasse com os servidores sobre o trabalho a ser
desenvolvido. Por outro lado, os servidores não têm perspectiva de subir na
carreira, pois fazem o concurso para este ou aquele cargo e, em alguns estados,
não dispõem de condições legais para serem promovidos.
Além disso, é comum deparar-se com situações
inusitadas nas quais os servidores usam seus próprios salários para adquirir
materiais de consumo para o trabalho ou disponibilizam recursos próprios para
fazer diligências, juntamente com a dedicação de tempo muito mais que a lei
exige aos cartórios, comprometendo sua saúde e o lazer da família.
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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e
corregedor das comarcas do interior
Extraído do Boletim CCI de Outubro de 2012 - nº 8
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