Os sindicatos são numerosos, não têm poder de barganha junto às empresas e, em geral, estão interessados apenas em uma fatia do bilionário bolo da contribuição sindical que todo trabalhador é obrigado a recolher.
Ministro João Orestes Dalazen: "Fui talhado na luta" (Foto: Sérgio Dutti)
A entrevista de VEJA desta semana, quentíssima, é com o ministro João Oreste Dalazen, presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
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Sindicato no Brasil virou negócio
Entrevista a Paulo Celso Pereira
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho diz que a maioria das
entidades sindicais não representa ninguém e existe apenas para embolsar
o imposto pago pelos contribuintes
Nem reforma política, nem reforma tributária.
Para o gaúcho João Oreste Dalazen, presidente do Tribunal Superior do
Trabalho (TST), a reforma mais urgente hoje no Brasil é a sindical.
Depois de 31 anos atuando na solução de litígios entre empregados e
empregadores, o ministro traça um perfil sombrio da situação trabalhista
no país. Os sindicatos são numerosos, não têm poder de barganha junto
às empresas e, em geral, estão interessados apenas em uma fatia do
bilionário bolo da contribuição sindical que todo trabalhador é obrigado
a recolher.
Dalazen considera urgente o Brasil assinar a convenção da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) que dá ao trabalhador ampla
liberdade de escolher e contribuir para o sindicato de sua preferência.
Em vez de enfraquecê-los, ele explica, isso fortaleceria os bons sindicatos.
Hoje com 58 anos, Dalazen tem uma trajetória rara na magistratura.
Nascido em uma família pobre, foi engraxate, lavador de carro, vendedor
de revista, cobrador, balconista, garçom e office boy até ingressar, por
concurso, no serviço público.
A demissão do ministro do Trabalho é um sintoma de que existe muita coisa errada no sindicalismo brasileiro?
Há uma grave anomalia na organização sindical brasileira, a começar
por essa desenfreada e impressionante proliferação de sindicatos, que
está na contramão do mundo civilizado.
A redução do número de sindicatos fortalece a representatividade e dá maior poder de barganha.
Não se conhece economia capitalista bem-sucedida que não tenha
construído um sistema de diálogo social através de sindicatos
representativos e fortes. No Brasil, infelizmente, o panorama é sombrio.
Por quê?
Aqui, os sindicatos, em sua maioria, são fantasmas
ou pouco representativos. O Brasil vive uma contradição. A Constituição
prevê o regime de sindicato único. Só deveria haver uma entidade
representativa de cada categoria em determinada área.
Na prática, há uma proliferação desenfreada de sindicatos. Isso se
explica porque a criação de sindicato é um dos negócios mais sedutores e
mais rentáveis que se podem cogitar neste país. O Brasil tem hoje mais
de 14 000 sindicatos oficialmente reconhecidos, e neste ano o Ministério
do Trabalho recebeu uma média de 105 pedidos de registro por mês.
Eles são criados, na maioria, não para representar as categorias, mas
com os olhos na receita auferida pela contribuição sindical, que é uma
excrescência. É dinheiro público transferido para entidades sindicais
que o gastam sem prestar contas.
O senhor tem alguma sugestão para reverter esse quadro?
O Brasil precisa ratificar com urgência a convenção da Organização
Internacional do Trabalho sobre a liberdade sindical. Nosso país está
entre os poucos de economia capitalista que ainda não o fizeram.
Essa convenção consagra a ampla liberdade de criação de sindicatos,
de filiação, de contribuição ou não. A extinção da contribuição sindical
é fundamental. Mas a reforma sindical no cenário político de hoje
infelizmente é remota. Existe sólida rede de interesses arraigados há
décadas.
O senhor acha natural a relação entre partidos políticos e sindicatos, com algumas centrais sendo extensões do partido?
É natural a filiação de entidades sindicais a partidos políticos com os quais elas se sintam mais identificadas.
A questão está em saber se essa identificação com os partidos
políticos atende aos interesses nacionais, porque nem sempre isso se dá.
É preciso considerar que há sindicatos e sindicatos, líderes sindicais e
líderes sindicais.
Nem sempre são os mais saudáveis os interesses defendidos pela liderança sindical com repercussão no mundo político.
O Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, unificar as
regras de greve para os trabalhadores da iniciativa privada e do
serviço público. São situações realmente semelhantes?
A greve, no campo privado, é um direito sacrossanto condicionado
apenas à observância de algumas formalidades para a deflagração.
No campo público, a Constituição assegurou aos servidores o direito à
negociação coletiva e à greve, mas previa que esse direito fosse
disciplinado por uma lei complementar específica.
Infelizmente, até o momento não sobreveio essa lei, e o quadro que se
vê hoje, em grande medida derivado desse vácuo, é desalentador, para
dizer o mínimo.
Há greves que descambam muitas vezes para a violência. Outras que se
prolongam meses a fio em detrimento da população destinatária do serviço
público. Elas são provocadas, ou intensificadas, pela impossibilidade
do desconto dos dias de paralisação.
O senhor defende a existência de limites para a greve de servidores públicos?
Nesse vácuo de legislação, o Supremo decidiu que se impõe às greves
no serviço público a aplicação da lei que rege a greve na iniciativa
privada — o que significa dizer que a participação em greve no serviço
público implica a manutenção dos serviços essenciais em funcionamento e o
desconto obrigatório dos dias não trabalhados.
Na prática, não é isso que acontece. Os funcionários dos Correios,
por exemplo, ficaram parados durante 28 dias e o governo só descontou
sete.
Considero isso ilegal.
Os juízes federais e do Trabalho também cruzaram os braços recentemente.
Estou entre aqueles que sustentam que determinadas categorias não têm
o direito de deflagrar greve. O juiz não é um servidor público, mas um
agente do Estado, e, portanto, a greve no setor torna refém toda a
sociedade.
Os juízes devem dar o exemplo. A greve atinge e prejudica as pessoas
menos favorecidas da sociedade, ou seja, os milhares de reclamantes que
pedem o reconhecimento de direitos essenciais e inadiáveis para sua
própria subsistência. O mesmo se aplica aos militares e às polícias.
A Justiça do Trabalho enfrenta o mesmo processo de descrença que a Justiça comum?
A Justiça do Trabalho construiu uma imagem de rapidez na solução dos
litígios, seja pela conciliação, seja pela intervenção do juiz, mas não
obteve até aqui o mesmo êxito na obtenção efetiva dos direitos
reconhecidos nas sentenças.
Tínhamos em setembro 2,45 milhões de processos na fase de execução,
ou seja, em que os credores até aquele momento não haviam conseguido
obter o direito já assegurado pela Justiça.
A média nacional mostra que apenas um terço dos trabalhadores que têm
ganho de causa definitivo consegue receber seu dinheiro. Sentenças sem
efeito prático levam à descrença na Justiça. Nós precisamos garantir que
os trabalhadores recebam o que lhes foi garantido legalmente.
Então a Justiça Trabalhista também tarda e falha?
Precisamos urgentemente revisar e atualizar a legislação que rege a
execução trabalhista. É uma legislação anacrônica, defasada e inadequada
para os tempos atuais.
Ela é da década de 40 do século passado e não dotou o juiz do
Trabalho dos mesmos meios de coerção concedidos aos demais juízes pelo
Código de Processo Civil. O juiz do Trabalho é o único sem força legal
para exigir a cobrança de débitos derivados de suas sentenças.
A Consolidação das Leis do Trabalho também é ultrapassada?
São necessárias a revisão e a atualização da CLT. Ela é excessivamente intervencionista e detalhista.
A lei deve assegurar patamar mínimo de proteção ao trabalhador e, com
sindicatos fortes e representativos, o diálogo entre as partes
construiria normas pertinentes, aplicáveis e suportáveis para cada
segmento, levando em conta as especificidades de cada um.
O modelo trabalhista americano permite um vastíssimo sistema de
negociação coletiva sem quase nenhuma intervenção estatal no âmbito
legal.
Defendo algo semelhante para o Brasil: rede de proteção mínima com sindicatos fortes que construam as normas.
Em tempos de crise, como a enfrentada agora pelos países europeus, esse modelo não deixa o trabalhador vulnerável?
Quando se preconiza o florescimento de um sistema de negociação
coletiva sólido e amplo, o pressuposto é a existência de sindicatos
fortes.
Por isso, a primeira das reformas é a sindical. Com sindicatos fortes
como os têm os Estados Unidos, a Espanha e a Alemanha, não há risco de
que a negociação se trave em nível de desigualdade, mesmo nos momentos
de crise.
Os sindicatos vão avaliar em que medida podem fazer uma ou outra
concessão. Podem achar adequado para aquele momento específico aceitar a
redução do salário em troca da estabilidade no emprego. Isso é
perfeitamente possível em ambiente de pouca intervenção estatal com a
contrapartida de sindicatos fortes.
As varas trabalhistas estão cheias de processos de
funcionários terceirizados. Por que essa forma de contratação é motivo
de tanto litígio?
É inegável que a terceirização é um fenômeno
econômico irreversível no plano universal. É compreensível que as
empresas busquem lançar mão da terceirização como forma de aumentar os
lucros pelo barateamento do custo da mão de obra.
Todavia, como demonstra a experiência das últimas décadas também em
escala mundial, a terceirização tem se revelado em muitos casos um fator
de precarização das condições de trabalho e de incremento de acidentes
por falta de condições de higiene e segurança.
Sentimos falta de uma lei que discipline o assunto. A terceirização
desenfreada, sob a forma de locação de mão de obra para fazer frente a
necessidades normais da empresa, deveria ser proibida.
Quais são hoje os setores que mais desrespeitam a legislação trabalhista?
Os três maiores litigantes no Tribunal Superior do Trabalho são entes
públicos: União, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Na
iniciativa privada, as instituições financeiras respondem pelo número
mais expressivo de ações trabalhistas.
A carga tributária é mesmo a principal responsável pela alta taxa de informalidade do trabalho no Brasil?
Os impostos efetivamente oneram em demasia. Isso pesa ainda mais
fortemente sobre as pequenas e microempresas. Não me parece razoável que
empresas grandes e pequenas tenham obrigações trabalhistas idênticas.
O ideal é criar um sistema que estabeleça as obrigações trabalhistas
de acordo com o porte econômico de cada empresa. Seria um mecanismo
decisivo para a formalização de milhões de trabalhadores brasileiros que
atualmente se encontram na informalidade.
Existem mesmo “bandidos de toga”, como disse a Corregedora Nacional da Justiça?
Penso que foi uma declaração profundamente infeliz, embora não queira tapar o sol com a peneira.
É evidente que em toda atividade há os bons e os maus profissionais,
mas não se pode generalizar nem se pode tachar com essa gravidade
indiscriminadamente os magistrados brasileiros.
No entanto, reconheço que é necessária a adoção, em alguns casos, de
medidas mais firmes pelas corregedorias para a apuração de
responsabilidade disciplinar envolvendo magistrados.
O fato de a pena máxima para um juiz ser a aposentadoria compulsória não fortalece a imagem de impunidade junto à população?
A revisão da Lei Orgânica da magistratura, com a inclusão de outras
penalidades, é necessária, mas a aposentadoria compulsória não é
propriamente uma premiação.
Quando se diz que a pena máxima é a aposentadoria compulsória,
está-se referindo apenas à esfera administrativa, porque depois pode
prosseguir a apuração da responsabilidade pela mesma conduta na esfera
judicial — e então o juiz pode perder o cargo e a própria aposentadoria.
Mas já houve algum caso de perda do cargo e da aposentadoria?
Desconheço.
O senhor vem de família humilde. De que modo isso influenciou sua vida?
De fato, venho de baixo, de família muito pobre. Fui engraxate,
lavador de carro, vendedor de revista, vendedor de pinhão em Curitiba,
cobrador, balconista, garçom e office boy. Nunca, porém, deixei de
estudar.
Na juventude, dediquei-me aos concursos públicos. Fui escriturário e
procurador da Caixa Econômica. Fui oficial de Justiça, promotor e
professor da Universidade Federal do Paraná, até ingressar na
magistratura.
Fui talhado na luta. Trabalho mais de doze horas por dia com muito
prazer, procurando fazer o melhor. Só assim eu consigo dormir a noite
inteira em paz com a minha consciência.
Fonte: Coluna do Ricardo Setti
FICA A PERGUNTA: PORQUE DOIS SINDICATOS NA BAHIA PARA REPRESENTAR OS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO? DÁ A ENTENDER QUE A CATEGORIA É DESUNIDA.
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